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CURRAl DAS FREIRAS

À época do povoamento da Madeira, as terras do Curral foram doadas a João Ferreira por João Gonçalves Zarco, 1.º capitão donatário do Funchal. Em 1480, foram vendidas a João Gonçalves da Câmara, 2.º capitão donatário, que as entregou ao convento de Santa Clara que fundara no Funchal, como dote das suas filhas Elvira e Joana, quando ali ingressaram. Por ser propriedade deste convento, passou a ser conhecido pelo nome de “Curral das Freiras”. A tradição, hoje questionada, refere que por ocasião do ataque dos franceses chefiados por Bertrand de Montluc ao Funchal, em 1566, as freiras teriam fugido para estas suas terras.

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O aproveitamento económico desta grande propriedade evoluiu ao longo dos tempos, bem como o tipo de contratos que o convento fazia. Inicialmente, dominava ali a criação de gado, que dera o nome de "Curral" a esta localidade de onde provinham a carne e a manteiga para o consumo diário das freiras do convento de Santa Clara. Além da presença de pastores, é da tradição que, nesses primeiros séculos do povoamento, estas terras seriam locais de refúgio de foragidos, dado o seu isolamento geográfico e ausência de população fixa significativa, embora além da criação de gado se registem referências a uma ainda incipiente produção agrícola. 

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A agricultura passa a ser dominante a partir de meados do séc. 18, generalizando-se a colonia característica da Madeira. Por essa época, os representantes do convento de Santa Clara nesta localidade eram encarregues de distribuir terras com vista a um povoamento organizado, através da fixação e aumento de uma população que passa a dedicar-se à atividade agrícola de forma sistemática. Entre os produtos aqui cultivados, avultavam a vinha, árvores de fruto e cereais, além dos produtos hortícolas indispensáveis à subsistência. Regista-se também a produção de mel.

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Os protagonistas deste processo que converteu o Curral numa grande unidade de produção, pertencente ao convento de Santa Clara até à sua extinção no séc. 19, foram as famílias que se vão estabelecendo no Curral das Freiras, como os Vares, os Pinto, originários de Câmara de Lobos, ou os Fernandes Camacho de Santo António. Em meados do séc. 17, cabia a João Fernandes de Vares, que aqui se dedicava à criação de gado, dar a cultivar as terras aráveis do Curral. Através do casamento entre elementos da família Vares, residente no central montado da Murteira, e da família Fernandes Camacho, passará aquela propriedade a ser residência dos Camacho até à morte de José Militão Camacho em 1924. A função de procurador do convento de Santa Clara foi exercida por esta família Camacho, hereditariamente, até à extinção do convento, cujos bens rurais passam à Fazenda Pública em 1862. Da sua posterior venda emergem os novos proprietários rurais desta freguesia em finais do séc. 19, destacando-se José Militão Camacho, Luiz Soares Henriques, os Pinto de Abreu e as Comissões Administrativas das Levadas Nova do Castelejo e dos Piornais.

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Da antiga capela de Santo António, sobre a qual se levanta a hipótese, por confirmar, de ter sido edificada sobre uma anterior ermida, sabe-se que estava já aberta ao culto em 1644. Dela ficou apenas o registo na toponímia do sítio da Capela e na memória dos habitantes que ainda referem o seu local como “Terreiro Santo”. Embora edificada por iniciativa particular, ficaria também a pertencer ao convento de Santa Clara.

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Por jurisdição paroquial, o Curral das Freiras pertencia à freguesia de Santo António. Devido à distância desta freguesia, as populações do Curral e da Fajã dos Cardos, então localidades distintas, pretendia a criação de uma paróquia, sendo até colocada a hipótese da construção não de uma, mas de duas igrejas, o que não ocorreria. Ainda na capela de Santo António, o Curral das Freiras passa a ter vida paroquial própria por volta de 1780 e em 17 de março de 1790, por Carta Régia de D. Maria I, assumiu o estatuto de paróquia independente. Para tal foideterminante a construção da nova igreja dedicada a Nossa Senhora do Livramento, sobre terrenos doados à Diocese em 1787 pelo convento de Santa Clara. Embora continuasse a ser utilizada a já deteriorada capela de Santo António durante o período da construção da nova igreja paroquial, na fase final das obras já aqui se realizavam os atos de culto, seguramente por volta de 1807, mas possivelmente já a partir de 1793.

 

A edificação da igreja paroquial no então grande sítio da Achada levou a que parte deste, que ficava nas proximidades do templo, passasse a ser denominado sítio das "Casas Próximas", não sendo este ainda, como viria a tornar-se a partir de finais do séc. 19, o centro da comunidade. Este ficava então na Murteira e Capela – esta, sítio do local de culto de meados do séc. 17 aos finais do séc. 18 – para onde convergia a ligação entre os "sítios de cima" (Fajã dos Cardos, Pico do Furão, Fajã Escura, Colmeal, Achada, Casas Próximas), os "sítios de baixo" (Murteira, Capela, Balseiras, Terra Chã, Seara Velha, Lombo Chão) e daqui ao Estreito e a Câmara de Lobos, e o caminho que ziguezagueava até à Eira do Serrado, troço do caminho real nº 27 que ligava o Funchal à Boaventura, utilizado pelos habitantes de algumas freguesias do norte da ilha no seu acesso ao Funchal.

 

O propalado – tantas vezes de forma redutora - isolamento do Curral das Freiras não tinha um impacto absoluto sobre os habitantes, devido aos contactos familiares, funcionais e comerciais estabelecidos com outras localidades e ao convívio próximo com os que seguiam a ligação terrestre entre norte e sul passando pelo “coração da ilha”, onde era usual pernoitarem. Mas a dificuldade dos acessos penalizava, de facto, as difíceis condições de vida dos curraleiros. Frequentemente alheios a essa realidade humana, aos visitantes estrangeiros deslumbravam as magníficas vistas sobre o vale que se divisava das serras do Estreito ou da Eira do Serrado, do que deixaram numerosos registos escritos e iconográficos. O miradouro da Eira do Serrado, mandado construir pelo governador civil José Silvestre Ribeiro em 1852, adquiriu progressivamente importância como um dos ex-libris turísticos da Madeira, daí se fazendo a ligação entre o Funchal, pelas serras de Santo António, ao Curral. 

 

Nas primeiras décadas do séc. XX, o acesso automóvel fazia-se apenas até ao sítio da "Estrela" e o resto do percurso a pé ou nas tradicionais redes, até à construção da estrada com os seus dois túneis escavados na rocha, que beneficiou largamente a população local. Essa ligação rodoviária seria aberta a partir de 1955 e concluída em 1959, no âmbito da ampliação do Plano da Rede Complementar de Estradas Nacionais da Ilha da Madeira, que viria a possibilitar o acesso rodoviário a freguesias e sítios como o Caniçal, o Lugar de Baixo e o Curral das Freiras. O trecho final desta estrada, vencendo a rocha escarpada, foi uma obra notável que muito deveu aos "rocheiros" do Curral, trabalhando em condições extraordinariamente difíceis e perigosas.

 

A conclusão da eletrificação das freguesias rurais da Madeira seria assinalada no Curral das Freiras apenas em 1962, em cerimónia presidida pelo Presidente da República. 

 

Embora se encontrem registos de emigração de habitantes do Curral desde o séc. 19, foi sobretudo nas décadas de 40, 50 e 60 do séc. 20 que muitos rumaram a outras terras, com destaque para Venezuela, África do Sul e França. Mais recentemente, o Reino Unido e Ilhas do Canal tornaram-se também destino de emigração de muitos habitantes desta freguesia.

 

Esta evolução teve grande impacto e reflexo nas habitações, originariamente em alvenaria de pedra, cobertas de colmo - poucas não o eram nos primeiros registos fotográficos da freguesia – e no século 20 já com reboco caiado e cobertas de zinco ou telha, com elementos característicos da arquitetura popular madeirense, das quais hoje ainda se encontram diversos exemplares pelos vários sítios da freguesia, muitos arruinados, alguns recuperados, outros aguardando reabilitação. Mas, como em toda a Madeira, novo tipo de habitações avulta hoje, construídas maioritariamente pelas primeiras gerações de emigrantes e pelas gerações mais recentes da população local. O natural anseio por melhores condições de habitabilidade levou à opção por novas construções em detrimento da recuperação das antigas e modestas moradias familiares, situação que hoje poderá estar em vias de alterar-se, em função da valorização da tradição e da identidade comum que aqui se vem registando nos últimos anos.

 

É a evolução das gentes da localidade e suas edificações de diversas tipologias que o "Roteiro das Casas com Histórias do Curral das Freiras" pretende registar e divulgar, através da partilha de uma herança e identidade comuns que conta com várias parcerias e contributos locais, quer na seleção dos imóveis mais significativos da freguesia, quer na recolha de testemunhos junto dos respetivos proprietários e de outros informantes. Este é um projeto participativo e aberto, cujos conteúdos disponíveis online serão sempre alterados e atualizados pelo surgimento de novos dados de investigação, novos testemunhos, novos elementos iconográficos.

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A Associação Casas com Histórias agradece a todos aqueles que queiram colaborar com o "Roteiro das Casas com Histórias do Curral das Freiras" através da partilha de imagens, textos e/ou memórias que possam vir a enriquecer os seus conteúdos informativos.

Divulgação do Projeto

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