A guerra distante e o património próximo
- zearaujo1
- 16 de mar. de 2022
- 4 min de leitura
Caros/as associados/as e amigos/as
É impossível desligarmos os objetivos desta associação quanto ao nosso património de proximidade, do mundo em que vivemos e do património global, o que ganha especial pertinência no atual contexto de guerra na Europa.

A guerra e o património em risco
Desde o início da invasão da Ucrânia pelas tropas russas, o evoluir da terrível situação que o mundo tem acompanhado em direto motivou uma forte corrente de solidariedade internacional, acima de tudo para as vítimas diretas e indiretas deste conflito. Perante os cenários de destruição, lembramos que "a vida é o maior dos patrimónios".

Catedral de Santa Sofia, Kiev, inscrita na lista de património mundial da UNESCO desde 1990
Mas, como em tantas outras situações passadas e recentes, lembramos igualmente e lamentamos o destino do riquíssimo património móvel e imóvel da Ucrânia - país que tem sete entradas na lista de Património Mundial da UNESCO - algum já parcialmente destruído ou em risco em várias cidades bombardeadas.
Logo no início do conflito, Audrey Azoulay, Diretora-Geral da UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) afirmou: "Devemos salvaguardar o património cultural na Ucrânia, como testemunho do passado mas também como catalisador da paz e coesão no futuro, que a comunidade internacional tem o dever de proteger e preservar."
Também a Europa Nostra, federação internacional com estatuto de consultor junto da UNESCO, do Conselho da Europa e da União Europeia, reconhecida como a organização mais representativa de defesa do património cultural na Europa, tomou posição de imediato, a 25 de fevereiro de 2022: "Europa Nostra, a voz Europeia da Sociedade Civil comprometida com o Património Cultural, condena fortemente a brutal invasão da Ucrânia, um país europeu independente e soberano, pelo exército russo, em flagrante colisão com a lei e ordem internacionais estabelecidas".
A cultura perante a guerra
Apesar de a Diretora-Geral da UNESCO alertar para a necessidade de defesa do património cultural na Ucrânia "como catalisador da paz e coesão no futuro", o agudizar das tensões extremou entretanto posições em todo o mundo, levando, para além das sanções económicas desencadeadas, a apelos e práticas efetivas de boicote à cultura russa e seus profissionais.
Sobre esta questão sensível, há que refletir seriamente sobre o papel da cultura em prol da paz e tolerância, mas também de como a cultura pode tomar posição perante este conflito. Analisar as diversas implicações das propostas de boicote cultural e refletir sobre elas, propondo uma tomada de posição, é o que faz Maria Vlachou, Directora Executiva da Acesso Cultura, Associação Cultural, no seu post "Mais algumas reflexões sobre o boicote cultural", de 7 de março de 2022,
Bens culturais na guerra e na paz
Acompanhamos em direto esta guerra geograficamente distante mas que nos afeta emocionalmente sobretudo pela destruição e sofrimento humano envolvidos, mas também pelos efeitos práticos da crise económica decorrente deste conflito e pelas preocupações que partilhamos quanto ao património cultural em risco.
Admiramos os profissionais da cultura e património que permanecem nas suas instituições tentando proteger os bens à sua guarda, em nome da salvaguarda da identidade cultural do povo ucraniano. À medida que são reportadas as primeiras destruições de bens culturais em cidades bombardeadas e se agravam as preocupações quanto ao destino do património ucraniano, profissionais de museus e monumentos, bibliotecas e arquivos da Ucrânia fazem o que está ao seu alcance para proteger os bens móveis mais significativos.
Mas admiramos também aqueles que neste conflito procuram preservar essa identidade fora das grandes instituições e sem meios, zelando pelo seu património de proximidade em condições muito difíceis.
A valorização da sua identidade cultural é algo muito significativo para o povo ucraniano, como para tantos outros.
Entre nós, portugueses, há ainda muito a fazer para que a preservação das memórias e bens culturais, a nível nacional, regional e local seja uma preocupação essencial partilhada por todos.
O nosso património de proximidade
A Associação Casas com Histórias pretende sensibilizar e alertar para a importância da valorização do património de proximidade, identificando, estudando e divulgando algumas das suas expressões a nível local. Queremos contribuir para que se reconheça a importância do património material e imaterial não classificado, mas relevante para a identidade local.
Entre outras iniciativas neste âmbito, em especial na Rua do Quebra-Costas, Funchal, estamos a desenvolver desde 2021 o Roteiro das Casas com Histórias do Curral das Freiras, um projeto participativo que envolve vários parceiros locais na seleção dos imóveis mais significativos da freguesia (igreja paroquial, casas de habitação, escolas, estabelecimentos comerciais, etc.) e na recolha de testemunhos pessoais sobre as vivências com eles relacionadas. Trata-se de proporcionar a habitantes locais e visitantes um percurso pelas memórias dos habitantes do Curral das Freiras, acessíveis a todos através da colocação nos imóveis selecionados de painéis com informação sucinta bilingue (port./inglês), em que um QRcode permite a ligação a conteúdos de desenvolvimento e imagens.

Curral das Freiras, Casas Próximas: casa da família Rebolo. Arq. ACH, março 2022
Pretendemos replicar este projeto noutras localidades, para o que contamos desde já com o vosso interesse e os vossos contributos.
Fiquem bem.
A Direção da Associação Casas com Histórias




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